a dor fere, mas nao mata?

Thiago Cardoso
4 min readNov 9, 2022

“a dor fere, mas nao mata

passar a vida e não sofrer é não viver. dizer a si mesmo “ah, vou deixar para mais tarde essa história de amor e dor, talvez p depois dos 30” é como se resignar a passar dez anos simplesmente ocupando espaço no planeta e consumindo seus recursos. resignar-se a ser (e emprego a palavra em seu sentido mais pejorativo) um consumidor”

(Como ficar sozinho, Jonathan Franzen)

Li esse trecho em um dos raros livros que comprei recentemente, em um dos raros momentos que parei para ler recentemente. o texto em questao fala mais sobre outra coisa: a obcessao narcisista pelo ser curtido, potencializada pelas redes sociais e estruturalmente embricada com os novos produtos do capitalismo, menos ligados à satisficação de necessidades físicas e mais ao afagamento de prazeres psicológicos, egocêntricos (aqui já é uma interpretação minha).

como ainda nao superei meus dilemas narcisistas, talvez na vdd esteja rodando ferozmente no centro desse tornado, preferi focar nesse outro trecho que transcrevi logo acima, com o qual já concordei muito e hj me faz pensar.

a dor e a tristeza tem sido um fato constituinte na minha vida. talvez por ter sido uma criança orelhuda, tímida, levemente afeminada e por muitas vezes humilhada, um adolescente esquisito, não muito querido e levemente brocha, as superações que tenho buscada na fase adulta, no pós ensino médio, tem se direcionado sempre pelo impeto da dor e sofrimento.

vivi dos 20 aos 28 pulando de relacionamento em relacionamento, emprego em emprego, casa em casa, hobby em hobby, mantendo talvez apenas a literatura como aspecto fundamental e coerente da minha existencia. sempre que chegava em um lugar confortavel, indolor, talvez feliz, de algum eixo, logo necessitava fugir desesperadamente. para outro relacionamento, para outro emprego, para outra casa. ainda me espanto como e porque sai de brasilia aos 27 anos, morando com os dois melhores amigos que a vida poderia me dar, no melhor apartamento que um trabalho honesto e não exaustivo poderia pagar, na melhor cidade que eu poderia escolher viver, para vir trabalhar em são paulo (o lugar que já havia fugido uma vez), ganhando metade do que ganharia em brasília, para trabalhar 12 a 15 horas por dia em um ambiente de constante tensão e stress. não bastasse isso, escolhi ainda ter uma filha, investir em um relaciomento e abrir um negócio em uma área que nunca trabalhei (após ter largado o empregado de 12 a 15horas/dia e estar ganhando 30k/mês para mal trabalhar 8 horas dia). escolhi, por algum motivo que ainda preciso descobrir (mas sem qualquer arrependimento), corroer tudo que juntei nos últimos 10 anos de trabalho e vida sem os luxos que poderia ter tido (um carro melhor, viajar para o exterior etc etc) para levar uma vida com 0 tempo (e dinheiro) para lazer e “diversão”.

talvez minha forma de cicatrizar os traumas tenha sido pelo aprofundamento nesse caminho da dor, do realmente sentir para então metamorforsear-se em algo supostamente “melhor”, mais justo e mais verdadeiro do que de alguma forma já se é. caminho esse que apenas agora começo a contestar. parece-me nítido (e imagino que para todos que me conhecem) o processo de embalezamento que ocorreram e vem ocorrendo em minha persona fruto de todas as escolhas difíceis (não vou utilizar a palavra dolorosa aqui por medo dos críticos da dor alheia de plantão). esse fenômeno talvez seja uma corroboração do trecho citado mais cedo. contudo, algumas reflexões não deixam de me inquietar cada vez com mais força:

- serão as escolhas dolorosas apenas fruto de um projeto interno narcisista, a projeção do eu como melhor e mais justo para que os outros acreditem, e não a busca verdadeira por um caminho melhor e mais justo?

- será a negação do conforto e da alegria uma forma de se distanciar de um lugar do qual não se sente parte por traumas anteriores?

A terapia foi um instrumento fundamental para o amadurecimento de minhas compreensões e nascimento dessas reflexões, mas ainda não suficiente para encontrar de forma mais profunda uma resposta. a espiritualização tem sido uma escolha mais recente e verdadeira, mas que ainda oferece menos respostas e mais nuances para as reflexões já existentes.

Exteriorizado isso, questões tão individuais, mas ao mesmo tempo tão importantes e profundas, constantes na minha escolha diária de viver, deixo algumas outras reflexões, que busco em cada um/a que encontro em meu caminho, e que me servem de insumo para digestão, resolução e aprofundamento das minhas próprias. São reflexões que acho importantes, pois não tenho resposta para elas, assim como não tenho muita capacidade de criticar qualquer resposta que me aparaceça. Caso alguém queira conversar sobre alguma delas, estarei sempre à disposição.

  • onde se busca (e por vezes encontra?) sua verdade? fora ou dentro ou ambas (no que?)? em coisas tangíveis, integivéis ou ambas (no que?)? de forma sistemática, rotineira ou esporádica?
  • qual seu nível de autônomia em suas decisões entre mentir e falar a verdade? suas mentiras te escapam ou nem as percebe? suas verdade te escapam ou não são valorizadas como merecem por você?
  • o que/quem te influencia, te guia? qual elemento do que te influencia, te guia, é absolutamente fundamental? ou seja, se o elemento deixa de existir a coisa/pessoa deixa de te inspirar (tantos exemplos aqui: dinheiro/poder, carinho/amor, força/coragem, espontaniedade/criatividade etc etc etc)
  • se tivesse uma coisa que você tivesse certeza que se existisse após a morte você morreria na paz, qual coisa é essa? uma pessoa? um som (ou o som)? a existência de mais vida para fazer outras coisas (que coisas são essas que você precisa tanto fazer)? o apaziguamento de toda a dor? um suruba open bar eterno no alem vida?
  • quais são as reflexões que te pertubam em seu âmago? são elas fruto de uma prisão que se sente por conta do personagem que você escolheu ser lá atrás (e que as pessoas, inclusive você, já estão acostumadas e toleram)? ou são reflexões fruto da construção perpétua do personagem que se é, que se sente em seu interior, em sua busca própria pela verdade?
  • a dor vale a pena?
  • a dor vale?

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